Foto icônica mostra o sírio Alan Kurdi, de 3 anos, após morrer em naufrágio na Turquia
Nilüfer Demir/AP
Há exatos dez anos, uma imagem fez o mundo parar: o corpo de uma criança de 3 anos surgiu de bruços na beira de uma praia na Turquia, arrastado pelas ondas do mar Mediterrâneo após o barco em que estava naufragar.
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A história de Alan Kurdi, um menino sírio que fugia da guerra de seu país com a família e tentava chegar à Europa, não era um caso isolado — embora talvez um dos mais extremos.
Kurdi foi uma das cerca de 3.700 pessoas que, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), morreram afogados no Mediterrâneo tentando entrar na Europa em 2015.
E sua imagem deitado na areia virou o grande símbolo da crise de refugiados, como ficou chamado o movimento daquele ano em que mais de 1,3 milhão de pessoas chegaram a costas da Europa fugindo de conflitos, o maior êxodo até então desde a Segunda Guerra Mundial.
A crise fez governos da época redesenharem o rumo de suas políticas migratórias. Até então, a União Europeia ainda tentava lidar com as multidões de migrantes e refugiados que desembarcavam diariamente em ilhas principalmente da Grécia, mas também da Itália e da Espanha.
O corpo de Kurdi foi encontrado em uma praia de Bodrum, cidade na costa sudoeste da Turquia, de onde saíam pequenas embarcações com grupos de pessoas principalmente da Síria, país que entrou em guerra civil quatro ano antes.
Por conta disso, o governo turco concedeu, já em 2011, asilo automático para cidadãos da vizinha Síria. Mas os campos de refugiados para onde a maioria deles era levado foram ficando saturados e, diante do prolongamento da guerra, muitas famílias começaram a viajar de forma ilegal para a Europa.
Em paralelo, traficantes de pessoas foram se organizando e criaram rotas de travessias entre a costa da Turquia e ilhas gregas. Em 2015, o bom tempo do verão europeu ajudou, e tudo confluiu para criar o maior movimento migratório do planeta desde o fim da Segunda Guerra — que, anos mais tarde, foi superado pelo êxodo de ucranianos por conta da invasão russa, em 2022.
Ilhas na Grécia ficaram lotadas e viraram o ponto de encontro entre turistas europeus e imigrantes que se acumulavam em tendas improvisadas antes de seguir viagem. Milhares de pessoas caminhavam diariamente por estradas e campos da Eslováquia, Hungria e Áustria em busca do destino — na maioria dos casos, a Alemanha.
Família naufragou em bote
O corpo de Alan Kurdi é carregado por soldado
DHA/AP
Era justamente na Alemanha que a família de Alan Kurdi pretendia chegar, após anos vivendo em campos de refugiados na Turquia. Seus pais tentaram ir para o Canadá, onde uma tia já vivia, mas um pedido prévio de visto de refúgio foi negado, e eles seguiram então o rumo da maioria das famílias sírias que tentavam fugir da guerra.
Na madrugada do dia 2 de setembro de 2015, Alan, seu irmão e os pais entraram em um bote inflável em Bodrum a caminho da ilha grega de Kos.
A viagem seria curta: não mais que uma hora — na ocasião, centenas de turistas europeus que passavam o verão em Kos faziam o mesmo trajeto, mas no sentido inverso e em grandes embarcações, para passar o dia fazendo compras na Turquia e, depois, retornar à ilha grega.
Mas uma onda fez a família de Alan Curdi ficar no caminho: o bote —lotado— em que estavam virou. O pai do menino, Abdullah Curdi, tentou segurar a família, segundo ele relatou depois à imprensa. Mas não conseguiu, e Alan, seu irmão e sua mãe morreram afogados.
“Eu nunca acreditei que uma foto poderia causar esse impacto”, disse a fotógrafa turca Nilufer Demir, que fez a foto, em entrevista na ocasião à rede britânica BBC. “Eu tive que tirar a foto e não hesitei. E gostaria que isso mudasse o curso das coisas.”
Transmissão ao vivo g1
A história e, principalmente a imagem, feita pela fotógrafa turca, que acompanhava a movimentação de botes em Bodrum, chocaram o mundo.
Líderes de países da União Europeia se manifestaram, e o governo do Canadá ofereceu asilo para o pai de Alan, que negou e foi viver no Curdistão iraquiano.
A família do menino abriu uma organização para evitar que mais pessoas fizessem o perigoso trajeto.
Movimentos anti-imigração
No entanto, uma década depois da crise dos refugiados, a situação migratória na Europa não melhorou — e, ao contrário, cresceram movimentos de extrema direita com discursos anti-imigração.
Ao longo de 2024, as chegadas de migrantes irregulares à União Europeia caíram para cerca de 240 mil, menos de um quarto dos níveis de 2015, segundo dados da Frontex, agência de fronteiras da UE. Desses, apenas 11.200 migrantes chegaram a ilhas gregas no ano passado, segundo dados do ACNUR, agência das Nações Unidas para os Refugiados.
Mas, segundo a agência, as rotas migratórias se diversificaram e se tornaram mais difíceis — caso do trajeto entre o norte da África e o sul da Espanha, que ganhou corpo nos últimos anos.
Como reação à crise de 2015, a União Europeia começou a debater a criação de uma política migratória comum, que até hoje não existe no bloco, mas nunca conseguiu aprová-la. Como antídoto, criou um programa de redistribuição de estrangeiros que chegam a costas da Grécia, da Itália e da Espanha.
Além de novas rotas, novos problemas também surgiram: a crise acabou alimentando um movimento anti-imigração que se tornou uma das principais forças políticas da Europa. Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Roraima João Carlos Jarochinski, que vive em Portugal, a falta de resposta dos líderes europeus da época incentivou esse movimento.
“Hoje há aqui na Europa um predomínio de governos com essa perspectiva anti-imigração. O discurso se popularizou tanto que os partidos também acabam muito pressionados eleitoralmente pela presença desses grupos radicais”, disse Jarochinski. “Até líderes da esquerda adoram o discurso”.
Em agosto, o primeiro-ministro do Reino Unido, o trabalhista Keir Starmer, mostrou essa postura. Diante de casos de migrantes que tentam chegar ao país pelo Canal da Mancha, saindo da França, disse: “Quem chegar aqui em barcos (pelo Canal da Mancha) será deportado. Eu avisei”.
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